Aonde estás? Eu já não te acho na multidão. Você se misturou, se tornou apenas mais um a correr entre as ruas. Eu lembro quando você parava de andar apenas para entrar nas lojas e dar bom dia, quando você se equilibrava no meio fio como se aquilo fosse uma corda bamba, quando você ria das coisas mais estúpidas e quando você reservava minutos do seu dia para não fazer nada, apenas contemplar a vida que passa. Você lembra? No fundo eu sei que você lembra, mas agora você está ocupado, você tem responsabilidades. Eu sempre te disse que eu estaria aqui, eu estou na sua mente. Enclausurado nas lembranças. Você se fechou para a felicidade, você esqueceu do seu espírito de criança. Mas eu estou aqui para te lembrar, não esqueça que fui eu quem te trouxe a vida, eu que te dei a magia da existência. Volte no tempo, mantenha sua forma atual, mas volte. Pare no meio da rua, olhe para os lados, veja a senhora que atravessa a rua com as sacolas do supermercado, agora corra, logo mais ela irá atravessar, mas os motoristas não vão a respeitar, você sabe disso, você já fez isso. Sorria para aquele rosto que contém as marcas da idade, ela sorrirá para você, não tema ser ignorado. Eu já vi essa cena, você também já viu. Ela já se encontra do outro lado, contente pela generosidade, ela sorri para você, agradece e continua a andar. Você vai parar neste momento? Não. Você viu uma criança agora, ela está sentada no banco, sozinha e cabisbaixa. Pergunte o que ela tem. Você sabe o que é, você já passou por isso. Ela foi deixada pelos amigos. Não diga para ela superar, você vai a ajudar a superar. Será seu novo amigo, ela achará estranho pela sua idade, mas não desista, persista, ela no final irá aceitar, ela só quer uma companhia. Volte no tempo, vista sua fantasia infantil, agora você tem a mesma estatura que ela. A quantidade de carros diminuiu, você percebeu? Não, não perceba. Se você perceber tudo estará perdido. Olhe apenas para aquela criança e para o meio fio, equilibre-se, salte, corra, gire com ela. Seu tamanho voltou ao normal, você percebeu? Não, eu sei que você não percebeu. A criança agora correu ao encontro dos amigos e você continuou a olhar para os lados. Você viu um palhaço, ele está se apresentando na praça. Poucas pessoas estão lá. Por trás da maquiagem você sabe que ele está triste. Você sabe o porquê, você já se sentiu assim. Vá, vista uma roupa colorida, pinte seu rosto. O que você está fazendo agora? Você está chamando as pessoas, isso. O palhaço está olhando surpreso para você, mas você não está percebendo. Muitas pessoas agora estão ao redor de vocês, apresente-o, ria de suas piadas. Você já voltou a sua aparência normal. Agora se afaste, procure o lugar mais silencioso, mais afastado da agitação da cidade. Sente embaixo da árvore, feche os olhos. Escute os pássaros cantando, os galhos das árvores agitando-se e o vento assobiando calmamente. Abra os olhos. Olhe para suas pernas, o que você vê? Você as vê curtas? Não é um sonho, você voltou. Sem perceber você voltou, você soltou a criança que estava aprisionada. Sua forma anterior não irá mais voltar, essa é sua verdadeira forma. Mas você não questionou, você fechou os olhos e sorriu.
Agora eu já te encontro na multidão.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
domingo, 16 de outubro de 2011
Quantas vezes?
Quantas vezes criatura, você já se perguntou o porquê dos seus medos. Quantas vezes você não entendeu sua vivência. Quantas vezes você teve como único amigo o travesseiro. Quantas vezes você se sentiu solitário. Mas criatura, não chore, tanta coisa ainda irá acontecer. Não maltrate seu coração pensando nas más possibilidades. Filtre sua mente, elimine os maus pensamentos, como se estivesse separando o feijão. Guarde os preciosos e se desprenda do restante. Quantas vezes você não viu suas lágrimas chocando-se ao chão, como se nada mais restasse, apenas em direção ao destino final. Elas não tiveram chance, mas você criatura, você tem. Abra seus olhos inchados, levante seu rosto molhado e faça seu coração cheio de feridas voltar a bater. Você sabe que a dor é passageira, você sabe, mas ainda assim sofre. Você sabia desde o início que não seria fácil, mas você quis. Você quis viver. Criatura, agora enrijeça suas pernas, deixe sua coluna ereta e dê o primeiro passo, e quem sabe o segundo. Olhe para cima, olhe para o céu. Visualize agora seu futuro, construa-o nas estrelas ou nas nuvens, agora olhe para o horizonte. E caminhe inconscientemente, e não pare, não pare nunca.
Destino Sinuoso
No vazio da noite, a olhar as paredes negras que lhe cercam, vê as sombras trêmulas da árvore devorando os únicos feixes de luz que invadem o recinto. Inescrupulosas, invadem o manto silencioso, como se viessem efetuar algo além do seu conhecimento. As mesmas sombras que visitam-lhe toda a noite, a olhar aquele semblante sem vida, sem alma, sem corpo, sem nada, apenas a sombra. Uma sombra que ainda relutante persiste em viver, e que fazem brilhar os olhos daquelas árvores que não possuem olhos, mas possuem vida, possuem um fio de vida, que brilha intenso, e acaricia a face sem face daquela criatura indefesa, e no entanto, esperançosa. Porque essa sempre acreditou que os seus desejos seriam realizados, e com um simples toque na face, aquele ser criou um semblante, um semblante ainda monótono, mas era um semblante. E não importava se naquele momento era feliz ou triste, pois ele tinha vida e seus olhos logo mais sorririam ou chorariam por construírem seu próprio destino. O seu destino sinuoso.
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