quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Volte no tempo. Você se lembra?

    Aonde estás? Eu já não te acho na multidão. Você se misturou, se tornou apenas mais um a correr entre as ruas.  Eu lembro quando você parava de andar apenas para entrar nas lojas e dar bom dia, quando você se equilibrava no meio fio como se aquilo fosse uma corda bamba, quando você ria das coisas mais estúpidas e quando você reservava minutos do seu dia para não fazer nada, apenas contemplar a vida que passa. Você lembra? No fundo eu sei que você lembra, mas agora você está ocupado, você tem responsabilidades. Eu sempre te disse que eu estaria aqui, eu estou na sua mente. Enclausurado nas lembranças. Você se fechou para a felicidade, você esqueceu do seu espírito de criança. Mas eu estou aqui para te lembrar, não esqueça que fui eu quem te trouxe a vida, eu que te dei a magia da existência. Volte no tempo, mantenha sua forma atual, mas volte. Pare no meio da rua, olhe para os lados, veja a senhora que atravessa a rua com as sacolas do supermercado, agora corra, logo mais ela irá atravessar, mas os motoristas não vão a respeitar, você sabe disso, você já fez isso. Sorria para aquele rosto que contém as marcas da idade, ela sorrirá para você, não tema ser ignorado. Eu já vi essa cena, você também já viu. Ela já se encontra do outro lado, contente pela generosidade, ela sorri para você, agradece e continua a andar. Você vai parar neste momento? Não. Você viu uma criança agora, ela está sentada no banco, sozinha e cabisbaixa. Pergunte o que ela tem. Você sabe o que é, você já passou por isso. Ela foi deixada pelos amigos. Não diga para ela superar, você vai a ajudar a superar. Será seu novo amigo, ela achará estranho pela sua idade, mas não desista, persista, ela no final irá aceitar, ela só quer uma companhia. Volte no tempo, vista sua fantasia infantil, agora você tem a mesma estatura que ela. A quantidade de carros diminuiu, você percebeu? Não, não perceba. Se você perceber tudo estará perdido. Olhe apenas para aquela criança e para o meio fio, equilibre-se, salte, corra, gire com ela. Seu tamanho voltou ao normal, você percebeu? Não, eu sei que você não percebeu. A criança agora correu ao encontro dos amigos e você continuou a olhar para os lados. Você viu um palhaço, ele está se apresentando na praça. Poucas pessoas estão lá. Por trás da maquiagem você sabe que ele está triste. Você sabe o porquê, você já se sentiu assim. Vá, vista uma roupa colorida, pinte seu rosto. O que você está fazendo agora? Você está chamando as pessoas, isso. O palhaço está olhando surpreso para você, mas você não está percebendo. Muitas pessoas agora estão ao redor de vocês, apresente-o, ria de suas piadas. Você já voltou a sua aparência normal. Agora se afaste, procure o lugar mais silencioso, mais afastado da agitação da cidade. Sente embaixo da árvore, feche os olhos. Escute os pássaros cantando, os galhos das árvores agitando-se e o vento assobiando calmamente. Abra os olhos. Olhe para suas pernas, o que você vê? Você as vê curtas? Não é um sonho, você voltou. Sem perceber você voltou, você soltou a criança que estava aprisionada. Sua forma anterior não irá mais voltar, essa é sua verdadeira forma. Mas você não questionou, você fechou os olhos e sorriu.
    Agora eu já te encontro na multidão.

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