Não faz muito tempo que eu tinha um colar vivo. Uma espécie
única, infértil, que não seria novamente obtida nem por cruzamentos entre
espécies diferentes; foi um acontecimento exclusivo que não voltará a ocorrer.
Pela primeira vez – ou pelo menos uma das poucas vezes em que consegui
reconhecer – tive sorte. A Sorte que seleciona os indivíduos para uma
experiência inusitada. Experiências não se repetem. Porque uma experiência só
torna-se tal por causa dos valores que (não que sejam
adquiridos, mas que) ressurgem da lama seca. E cada experiência carrega seus
fragmentos substancialmente únicos de lama.
Eu não poderia denominá-lo de outra forma que não vivo. Esse
colar acompanhava as descidas e subidas da minha caixa torácica e tremia
próximo ao esterno como se ele próprio respirasse e pulsasse. O colar-vivo me
alimentava todas as vezes que olhava para a Lua e respirava fundo, captava toda
a energia que circundava o arredor naquelas
horas, e até poderia pensar que o ambiente tinha as luzes das lâmpadas
fraquejando, isso se não estivesse sentindo uma vibração interna estranha. Um
antígeno invadindo a coisa que existe por baixo do carbono do meu corpo.
Mas então a tampa abriu-se. E o pó, que causava espasmos
sutis e desregulava as sístoles e diástoles, misturou-se ao pó arenoso de uma
praia noturna que sugou a energia do frasco vivo com sua boca de brisa.
Da próxima vez que andei, os ossos viraram farelo e correram
para unir-se à mistura de cristais. A camada permeável, porém estufa – que não
deixava que nada de dentro destruísse a proteção ou saísse e se revelasse ao
mundo – explodiu em pedaços invisíveis que colaram em outras pessoas queimando
uns e perfurando outros. O estômago congestionado de agonia pulou para fora
como se sempre houvesse abertura na barriga. O corpo todo estatelou-se abafado
na areia, ficou deitado até o amanhecer, até o ápice do dia, se liquefazendo.
Derretido pelo Sol e por tudo aquilo que guardou na sua estufa e que era resfriada
pelo colar-vivo.
Não faz muito tempo que eu tinha um colar vivo. Não faz
muito tempo que das minhas vísceras brotou a semente de uma criatura deplorável e quebradiça.