domingo, 15 de dezembro de 2013

Colar vivo

    Não faz muito tempo que eu tinha um colar vivo. Uma espécie única, infértil, que não seria novamente obtida nem por cruzamentos entre espécies diferentes; foi um acontecimento exclusivo que não voltará a ocorrer. Pela primeira vez – ou pelo menos uma das poucas vezes em que consegui reconhecer – tive sorte. A Sorte que seleciona os indivíduos para uma experiência inusitada. Experiências não se repetem. Porque uma experiência só torna-se tal por causa dos valores que (não que sejam adquiridos, mas que) ressurgem da lama seca. E cada experiência carrega seus fragmentos substancialmente únicos de lama.
    Eu não poderia denominá-lo de outra forma que não vivo. Esse colar acompanhava as descidas e subidas da minha caixa torácica e tremia próximo ao esterno como se ele próprio respirasse e pulsasse. O colar-vivo me alimentava todas as vezes que olhava para a Lua e respirava fundo, captava toda a energia que circundava o arredor naquelas horas, e até poderia pensar que o ambiente tinha as luzes das lâmpadas fraquejando, isso se não estivesse sentindo uma vibração interna estranha. Um antígeno invadindo a coisa que existe por baixo do carbono do meu corpo.
    Mas então a tampa abriu-se. E o pó, que causava espasmos sutis e desregulava as sístoles e diástoles, misturou-se ao pó arenoso de uma praia noturna que sugou a energia do frasco vivo com sua boca de brisa.
    Da próxima vez que andei, os ossos viraram farelo e correram para unir-se à mistura de cristais. A camada permeável, porém estufa – que não deixava que nada de dentro destruísse a proteção ou saísse e se revelasse ao mundo – explodiu em pedaços invisíveis que colaram em outras pessoas queimando uns e perfurando outros. O estômago congestionado de agonia pulou para fora como se sempre houvesse abertura na barriga. O corpo todo estatelou-se abafado na areia, ficou deitado até o amanhecer, até o ápice do dia, se liquefazendo. Derretido pelo Sol e por tudo aquilo que guardou na sua estufa e que era resfriada pelo colar-vivo.
    Não faz muito tempo que eu tinha um colar vivo. Não faz muito tempo que das minhas vísceras brotou a semente de uma criatura deplorável e quebradiça.

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