Guarde suas palavras e fale o silêncio. Escute a natureza e sinta seus pensamentos.
(Escrito inicialmente em inglês. Rima não proposital, culpa da tradução)
sábado, 24 de maio de 2014
Porque eu sou... não somos... porque nada
Porque eu tenho um milhão de flores e nenhum amor
Porque eu tenho um milhão de amores e nenhum sabiá
Porque eu tenho um milhão de sabiás e nenhuma cor
Porque eu tenho um milhão de cores e nenhum céu
Porque eu tenho um milhão de céus sem espectador
Porque eu tenho um milhão de espectadores e nenhuma lareira
Porque eu tenho um milhão de lareiras e nenhuma dor
Porque eu tenho um milhão de dores sem flor
Porque eu tenho um milhão de coisas e ao mesmo tempo não tenho nada
Porque eu tenho um milhão de nadas e ao mesmo tempo um milhão de coisas
Porque esses são meus dois lados
Um que tem e outro escasso
Porque somos duas ideias contraditórias
Vivendo vidas paradoxais
Porque chamamo-nos ambíguo
E somos a dúvida sentada entre as duas pontas do caminho
Porque eu tenho um milhão de amores e nenhum sabiá
Porque eu tenho um milhão de sabiás e nenhuma cor
Porque eu tenho um milhão de cores e nenhum céu
Porque eu tenho um milhão de céus sem espectador
Porque eu tenho um milhão de espectadores e nenhuma lareira
Porque eu tenho um milhão de lareiras e nenhuma dor
Porque eu tenho um milhão de dores sem flor
Porque eu tenho um milhão de coisas e ao mesmo tempo não tenho nada
Porque eu tenho um milhão de nadas e ao mesmo tempo um milhão de coisas
Porque esses são meus dois lados
Um que tem e outro escasso
Porque somos duas ideias contraditórias
Vivendo vidas paradoxais
Porque chamamo-nos ambíguo
E somos a dúvida sentada entre as duas pontas do caminho
Estandartes anunciadores de ninguém
Tenho necessidade da solidão
Do soluço ritmado da gota d'água
Do som do raios do sol ascendente
Necessito de ninguém
E mais do que isso
Necessito de alguém
Pesa em mim a sofreguidão do eu-lírico
Sobrecarregado em agonia
Suplico a estes estandartes de timidez que abriguem sua sombra na minha
Unindo vergonhas, compartilhando solidões
Solidões escuras e de vestes mendigas
Do soluço ritmado da gota d'água
Do som do raios do sol ascendente
Necessito de ninguém
E mais do que isso
Necessito de alguém
Pesa em mim a sofreguidão do eu-lírico
Sobrecarregado em agonia
Suplico a estes estandartes de timidez que abriguem sua sombra na minha
Unindo vergonhas, compartilhando solidões
Solidões escuras e de vestes mendigas
Dias felizes de chuva são dias infelizes de ampulheta
Experimente ser engolido pelo passado e veja o quão asqueroso é estar no estômago do tempo.
O tempo nos dias de chuva torna-se confuso. As gotas caem cada uma representando: um período do seu passado; do futuro que virou passado; e do presente que passou. Cada gota repercutindo uma vibração gigantesca na sua sustentação. Mas o abalo é forte demais pra você resistir, você desaba e o chão embaixo vira farinha. Escorregando como areia no funil, como num brinquedo de criança.
O tempo nos dias de chuva torna-se confuso. As gotas caem cada uma representando: um período do seu passado; do futuro que virou passado; e do presente que passou. Cada gota repercutindo uma vibração gigantesca na sua sustentação. Mas o abalo é forte demais pra você resistir, você desaba e o chão embaixo vira farinha. Escorregando como areia no funil, como num brinquedo de criança.
Então, subitamente, um vapor se forma ao seu redor, denunciando seu enclausuramento na ampulheta. Você foi totalmente engolido pelo tempo. Esse tempo concreto despeja-se sobre você como um formigamento incômodo na cabeça, e vai passando para baixo, virando um lago de areia, te afogando. Não há muito espaço pra respirar. Então a ampulheta virou de cabeça pra baixo, ou seria agora de cabeça para cima? Como saber? A ampulheta é como um círculo: sem começo, nem fim.
A mesma areia que marcou o tempo passado agora marca o tempo presente. É a fusão abstrata que te enlouquece dentro desses vidros embaçados. Não saber a diferença entre o hoje e o ontem... essas duas palavras sequer existem mais. Também há essa nuvem negra acima da ampulheta, soltando trovoadas e fazendo a chuva chorar lá fora. Tudo o que você sente é o frio, mas nunca o contato. Sempre a lembrança, nunca a sensação.
A areia vai mofando em cima de você, a areia velha que marca o agora. Ou seria o outrora? E a ampulheta vai girando sempre ao avesso, marcando algo que não existe mais, fazendo pinicar esses grãos atormentadores em seu peito, enquanto a chuva se prega no vidro, estatelando-se toda, criando um som para te hipnotizar.
A mesma chuva que te fez sorrir um dia, hoje (hoje?) te causa dor, e um sentimento de completa inutilidade por não poder controlar as rodadas dessa ampulheta sádica. Aos poucos você vai perdendo a noção de tudo, a noção de si. Será assim, enquanto essa chuva que vomita o... passado... cair... Quem sabe depois o presente retorne ao seu ilusório equilíbrio.
Mas em mais quantos passados ela vai se demorar? Responda enquanto gir@.
Mas em mais quantos passados ela vai se demorar? Responda enquanto gir@.
Questionamentos de muros
Nas paredes de antigos armazéns no centro da cidade, uma frase destacou-se das demais como se holofotes brotassem das paredes e apontassem para ela:
"Qual seria a sua idade se não soubesse quantos anos você tem?"
E sinceramente, após idas e vindas escutando o barulho da catraca, cheguei a conclusão que de fato eu não sei. Sendo, eu, a criatura mais possuídora de incertezas em meu universo de bolha, a resposta mais sensata a que teria chegado é que talvez eu seja uma criatura atemporal.
Uma criatura atemporal perscrutando as deliciosas transições do tempo.
"Qual seria a sua idade se não soubesse quantos anos você tem?"
E sinceramente, após idas e vindas escutando o barulho da catraca, cheguei a conclusão que de fato eu não sei. Sendo, eu, a criatura mais possuídora de incertezas em meu universo de bolha, a resposta mais sensata a que teria chegado é que talvez eu seja uma criatura atemporal.
Uma criatura atemporal perscrutando as deliciosas transições do tempo.
Poesia sobre rodas (e com cobrador)
Que astúcia da mulher feia
Que fez da sua graça
Sua beleza
Que tristeza da mulher linda
Que fez da sua arrogância
A sua carranca
E já nao se pode ter certeza
Da feiura ou da beleza
Porque é incerta a determinação
Pra mim mulher feia é só conceito
Porque vale mesmo é o riso de cavalo
Mais bonito que a boca enviesada
Que fechou os dentes pra vida
E criou rugas na cara
Que fez da sua graça
Sua beleza
Que tristeza da mulher linda
Que fez da sua arrogância
A sua carranca
E já nao se pode ter certeza
Da feiura ou da beleza
Porque é incerta a determinação
Pra mim mulher feia é só conceito
Porque vale mesmo é o riso de cavalo
Mais bonito que a boca enviesada
Que fechou os dentes pra vida
E criou rugas na cara
domingo, 30 de março de 2014
sexta-feira, 28 de março de 2014
A um ser com fantasia de humano e coração de rã
But I'm a creep. I'm a weirdo.
Foram suas palavras de madrugada.
Somos duas aberrações abandonadas em cápsulas pressurizadas em direção à Terra. Explodimos no chão, mas antes, fomos desintegrando na atmosfera. Nossos antigos corpos viraram uma massa marrom-verde.
Nós seríamos realmente aberrações neste planeta? Ou as aberrações seriam eles?
Eu queria te contar que eu não me importo. Contanto que sejamos em par. Sejamos como as forças do homem da maçã. Forças que só existem em duas. Contanto que sejamos um quebra-cabeça.
Nós nos movemos entre eles. Todos nos olharam com nojo. Será que foi porque deixamos nossa gosma de tristeza pelo caminho? Não precisa voltar para limpar, eles já estão se banhando nela como porcos de grife.
Devíamos nos esconder... Em peles de anfíbios, pois eles são frios como nós. Mas eles são mortos pelas mãos humanas, ser. E nós já morremos antes. Ainda residem as marcas em suas costas e em meus olhos.
Compraremos fantasias de homem e mulher. Mas me deram a fantasia errada!, seria eu homem ou mulher? Agora sequer sei.
Nossas fantasias são de segunda mão, talvez quinta. Elas não são notadas na rua. Somos invisíveis. Talvez tenham pintado elas com uma substância que nos retira desta sociedade mais uma vez. Nós somos as estranhas aberrações sem nome, sem crédito.
Julgaremos todos seus atos por contraporem-se aos do nosso mundo, mas antes tentaremos compreendê-los. Por que é tão difícil entender as atitudes dos humanos, ser? Por que é tão difícil misturar-se a eles? Você tem toda uma viagem de ônibus para me explicar. Vamos debater também o porquê deles excretarem em pé, ou sentados. Esses humanos são tão bizarros.
Ser, suas lágrimas de sangue misturaram-se às minhas e eu não reconheço mais a origem. Somos como fontes de incertezas e temores, um jato interminável, um chafariz constante. Não feche seu fluxo, seu líquido preenche o vazio da minha fantasia.
Esses corpos ganharam vida própria e eles separam nossos habitats, mas uniram-nos nos nichos. Então, enquanto usa suas pernas de rã para ir pra casa e eu uso as minhas de humano, olhe para a Lua e lembre das coisas que eu disse. Eu olharei para as estrelas e verei as faíscas dos fogos que morrem depois de terem seus instantes de glória plena.
Serzinho, dê-me suas bombas. Você não me deixou as engolir. Minha carcaça já estava quebradiça das explosões internas, mas eu não queria trocá-la. Queria que ela terminasse de se fragmentar. A sua estava tanto quanto a minha, mas ainda assim, você tomou uma das dinamites da minha mão e a engoliu pelo sorriso. Ela explodiu dentro de você e eu recebi a pólvora no rosto. Eu fiz desenhos de andarilhos no rosto com ela.
Retiremos nossas fantasias, meu amigo, e nos espalhemos por esse ônibus como as coisas que sempre fomos: aberrações desconexas do mundo. E eu prometo dessa vez segurar suas mãos horrendas e uni-las às minhas em uma fusão.
Ser, nós transbordaremos por esse ônibus até chegarmos aos céus. Quando lá chegarmos, você poderá se tornar a rã que salta sobre as estrelas, fazendo-as desempoeirar o brilho e reluzir, que eu estarei aqui, formando uma poça na Lua observando seus saltos luminosos, serzinho.
Espero que escute, da estrela onde pisas, um murmúrio desafinado e saudoso de quem canta uma música para alguém que segue, enfim, feliz.
I wish I was special. You're so fucking special.
Adesivos
O seu corpo não é mais seu
A sua cultura não é mais sua
Eles arrancaram pele por pele
Deixaram só os ossos
Modificaram os ossos
Tiraram algumas costelas
Colocaram uma nova carne
E uma nova pele
Retiraram suas pinturas no rosto
Deixaram seu semblante ordinário
Afilaram seu nariz
Trocaram sua sobrancelha
Eles esticaram seu rosto
Te obrigaram a sorrir
Puxaram mais
E você agora ri feito idiota
A sua tradição foi corrompida
O traço de seu povo foi manipulado
Eles te impediram de ser diferente
Roubaram você de si
Afirmaram clarear sua mente
Clarearam apenas o pigmento do seu dente
Transformaram você em robô
E aprisionaram seus sentidos
Cegaram sua voz
Emudeceram seu olfato
Impossibilitaram os seus ouvidos a cheirar
Tornaram inaudíveis seus olhos
Eles trancafiaram você
Te isolaram para dominar
Isso aguçou seus pensamentos
E você se tornou um mal
Você resgatou seus cabelos
Você rachou o capacete (que te deixava no escuro)
Você redesenhou seu semblante
Você recuperou seu corpo
A sua cultura não é mais sua
Eles arrancaram pele por pele
Deixaram só os ossos
Modificaram os ossos
Tiraram algumas costelas
Colocaram uma nova carne
E uma nova pele
Retiraram suas pinturas no rosto
Deixaram seu semblante ordinário
Afilaram seu nariz
Trocaram sua sobrancelha
Eles esticaram seu rosto
Te obrigaram a sorrir
Puxaram mais
E você agora ri feito idiota
A sua tradição foi corrompida
O traço de seu povo foi manipulado
Eles te impediram de ser diferente
Roubaram você de si
Afirmaram clarear sua mente
Clarearam apenas o pigmento do seu dente
Transformaram você em robô
E aprisionaram seus sentidos
Cegaram sua voz
Emudeceram seu olfato
Impossibilitaram os seus ouvidos a cheirar
Tornaram inaudíveis seus olhos
Eles trancafiaram você
Te isolaram para dominar
Isso aguçou seus pensamentos
E você se tornou um mal
Você resgatou seus cabelos
Você rachou o capacete (que te deixava no escuro)
Você redesenhou seu semblante
Você recuperou seu corpo
quarta-feira, 26 de março de 2014
Receita de performance e poesia
Adicione:
papel adesivo
cabelos despenteados
fotos sucessivas
seu rosto
e uma boa pitada de subjetividade
E então, teremos uma performance e um texto sem falas.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Fumaça e chuva
Porque era dia de chuva também era dia de fumaça.
Acordaram todos tossindo, com suas baforadas fantasmagóricas. Mas era dia de chuva e o engasgo foi esquecido para vir o momento de contemplação.
Há dias que um ovo cozido com sua gema exposta queimava no alto e queimava aqui em baixo. E quando você acorda com seu quarto mais úmido que de costume e com aquela sensação que só a chuva pode proporcionar, esquece de dar seus xingamentos matinais ao calor e sorri com um gosto molhado. Então era dia de abrir a janela, de ler, escrever, assistir filmes ou simplesmente permanecer na cama, com os olhos vidrados no infinito.
A chuva volta a cair, você se senta na janela e aproveita aquele vento carregado de gotículas d'água, a serenata começa quando o músico distensiona a 6ª corda do violão - apenas isso, sem acordes - então escuta-se reverberando o som grave do trovões; dançando nas nuvens como bailarinos de luz, os relâmpagos contorcem-se pelo ar com suavidade e selvageria. Então o espetáculo acaba, os aplausos que sucedem são as pancadas ocas que a chuva provoca no cimento do asfalto. Muitos ainda estão petrificados pela apresentação majestosa, com milhões de ideias na cabeça , aturdidos e ao mesmo tempo plenos.
O frenesi de depois do espetáculo, onde os artistas recebem flores, cumprimentos e elogios vai cessando aos poucos. Você, ainda em sua janela, estende os braços e forma concha com ambas as mãos, unindo-as pelos pulsos tentando captar a vibração dos bailarinos luminosos. Mas desiste, tamanha é sua pretensão. Pula da janela e joga-se na cama sentindo o que resta da umidade - já quase dissipada pela janela exposta que é rasgada por pequenos raios.
Agora você anda na rua carregando uma sacola com uma bola murcha da tonalidade da sinalização. E a sacola, pendendo da sua mão como uma ramificação - ou quem sabe extensão - vai balançando e provocando ondinhas de vento que batem discretas na sua perna. Você quase se imagina saltitando pelos paralelepípedos e poças. Quando chega na borracharia, após longos minutos de espera, descobre não haver o pino pra dar vida a sua bola desmaiada, então retornas.
Um jovem que tem quase a sua idade e não mais a do seu irmão está agachado - ou conforme os tempos da infância, nas brincadeiras de pega-cocorô - o jovem estava acocorado agitando seu cigarro com uma lentidão digna de um filme em que se mostra uma esquiva. Naquele momento até você pareceu reduzir os passos e pareceu encarar o jovem que tampouco se importava com sua pertubação de reflexão. A mão parecia estar engatada numa corda ao cigarro que puxava-a magneticamente até a boca como se fosse a única coisa com metabolismo naquele sistema carne-tabaco. E então na vagarosidade de um dia de chuva, mirando algo que estava além das visões externas, mirando uma paisagem de ideias invisíveis, acocorado, o jovem deixava a fumaça sair da boca com a mesma lentidão, formando os desenhos que haviam na sua mente.
Admita que depois desse dia você tornou-se um obcecado pelo movimento da fumaça na boca de um indivíduo qualquer, até porque você retornou pra casa com sua bola extravagante (e digna de pena pelo estado inerte) observando todos os fumantes.
Porque era dia de chuva e (como dito) também era dia de fumaça. Vários corpos - todos sugados pelo tempo - levavam as mãos a boca como em uma coreografia sincronizada, levando aos céus a fumaça para que o ajudassem no dia nublado, para que então, nunca se encerrasse. Camadas e camadas de neblina misturada à fumaça para garantir o prazer de um dia de chuva. Sorrisos embaçados por fumaça.
E à noite, em seu leito, compartilhando da intimidade com você, a chuva despeja feroz seus gritos de prazer envolvendo-o em uma água febril e nem por isso menos doce. Rasgando-lhe com ventos mordazes a puxar seus cabelos para o alto e a estufar suas vestes, atacando-lhe com cinturões grossos de chuva, deixando marcas em seu rosto. Escorrendo água por dentro de suas roupas, atingindo-lhe as cuecas, escorrendo água por dentro de seu corpo.
Levante a cabeça minha menina, feche os olhos meu rapaz. E sinta a chuva açoitá-lo com ternura e beijar-lhe o pescoço arrepiado. Apagando de entre seus dedos o cigarro aceso.
Acordaram todos tossindo, com suas baforadas fantasmagóricas. Mas era dia de chuva e o engasgo foi esquecido para vir o momento de contemplação.
Há dias que um ovo cozido com sua gema exposta queimava no alto e queimava aqui em baixo. E quando você acorda com seu quarto mais úmido que de costume e com aquela sensação que só a chuva pode proporcionar, esquece de dar seus xingamentos matinais ao calor e sorri com um gosto molhado. Então era dia de abrir a janela, de ler, escrever, assistir filmes ou simplesmente permanecer na cama, com os olhos vidrados no infinito.
A chuva volta a cair, você se senta na janela e aproveita aquele vento carregado de gotículas d'água, a serenata começa quando o músico distensiona a 6ª corda do violão - apenas isso, sem acordes - então escuta-se reverberando o som grave do trovões; dançando nas nuvens como bailarinos de luz, os relâmpagos contorcem-se pelo ar com suavidade e selvageria. Então o espetáculo acaba, os aplausos que sucedem são as pancadas ocas que a chuva provoca no cimento do asfalto. Muitos ainda estão petrificados pela apresentação majestosa, com milhões de ideias na cabeça , aturdidos e ao mesmo tempo plenos.
O frenesi de depois do espetáculo, onde os artistas recebem flores, cumprimentos e elogios vai cessando aos poucos. Você, ainda em sua janela, estende os braços e forma concha com ambas as mãos, unindo-as pelos pulsos tentando captar a vibração dos bailarinos luminosos. Mas desiste, tamanha é sua pretensão. Pula da janela e joga-se na cama sentindo o que resta da umidade - já quase dissipada pela janela exposta que é rasgada por pequenos raios.
Agora você anda na rua carregando uma sacola com uma bola murcha da tonalidade da sinalização. E a sacola, pendendo da sua mão como uma ramificação - ou quem sabe extensão - vai balançando e provocando ondinhas de vento que batem discretas na sua perna. Você quase se imagina saltitando pelos paralelepípedos e poças. Quando chega na borracharia, após longos minutos de espera, descobre não haver o pino pra dar vida a sua bola desmaiada, então retornas.
Um jovem que tem quase a sua idade e não mais a do seu irmão está agachado - ou conforme os tempos da infância, nas brincadeiras de pega-cocorô - o jovem estava acocorado agitando seu cigarro com uma lentidão digna de um filme em que se mostra uma esquiva. Naquele momento até você pareceu reduzir os passos e pareceu encarar o jovem que tampouco se importava com sua pertubação de reflexão. A mão parecia estar engatada numa corda ao cigarro que puxava-a magneticamente até a boca como se fosse a única coisa com metabolismo naquele sistema carne-tabaco. E então na vagarosidade de um dia de chuva, mirando algo que estava além das visões externas, mirando uma paisagem de ideias invisíveis, acocorado, o jovem deixava a fumaça sair da boca com a mesma lentidão, formando os desenhos que haviam na sua mente.
Admita que depois desse dia você tornou-se um obcecado pelo movimento da fumaça na boca de um indivíduo qualquer, até porque você retornou pra casa com sua bola extravagante (e digna de pena pelo estado inerte) observando todos os fumantes.
Porque era dia de chuva e (como dito) também era dia de fumaça. Vários corpos - todos sugados pelo tempo - levavam as mãos a boca como em uma coreografia sincronizada, levando aos céus a fumaça para que o ajudassem no dia nublado, para que então, nunca se encerrasse. Camadas e camadas de neblina misturada à fumaça para garantir o prazer de um dia de chuva. Sorrisos embaçados por fumaça.
E à noite, em seu leito, compartilhando da intimidade com você, a chuva despeja feroz seus gritos de prazer envolvendo-o em uma água febril e nem por isso menos doce. Rasgando-lhe com ventos mordazes a puxar seus cabelos para o alto e a estufar suas vestes, atacando-lhe com cinturões grossos de chuva, deixando marcas em seu rosto. Escorrendo água por dentro de suas roupas, atingindo-lhe as cuecas, escorrendo água por dentro de seu corpo.
Levante a cabeça minha menina, feche os olhos meu rapaz. E sinta a chuva açoitá-lo com ternura e beijar-lhe o pescoço arrepiado. Apagando de entre seus dedos o cigarro aceso.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
No balanço do mar...
Às vezes eu tenho medo, até receio. Uma coisa que forçou
passagem pra dentro de mim, esmagou o esterno e se alojou no coração. Essas
nuvens de ideias, essas cores que ziguezagueiam em feixes de luz. Eu tremo no
peito quando sinto o beijo do mar em meus dedos. É uma saudade que desperta
como se as ondas um dia houvessem balançado meu berço e me afogado em pureza. O
branco da espuma que gira, e gira... uma grande criança que rodopia pra ver o
céu lhe abraçar. Eu tenho esse medo que não possa haver retorno. Por isso eu
molho minha testa, molho meu peito com uma garrafa de água mineral porque é o
mais perto de te tocar. E espero a chuva que de outro jeito te traz pros meus
cabelos e me deixa beber o teu gosto.
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